Caros confrades/passageiros!
Mais uma vez, com muito gozo, divulgo uma crônica do meu querido amigo, o sapiente e tarimbado escritor e jornalista, Milton Saldanha, que desta vez discorre - com primor - sobre os efeitos deletérios que estão sujeitos, infelizmente uma parcela significativa da população da nossa amada Pátria que ainda tem palmeiras e sabiás, que não tem as competências leitora e escritora.
Ele teve o privilégio de ter nascido numa família onde a leitura e a escrita faziam parte das atribuições e atribulações do cotidiano, o que contribuiu sobremaneira para torná-lo um leitor e escritor voraz, que o tornou muito conceituado ao exercer seu labor nos meios de comunicações e nos meios literários, bem como um respeitado formador de opinião.
Tive a grata satisfação de ser eternizado nesta fotografia, ao lado do meu estimado amigo, no dia do lançamento do seu imperdível livro "O País Transtornado", no Museu da Resistência.
Como vocês Milton Saldanha!
LUZES! CÂMERAS! AÇÃO!
Caloroso abraço! Saudações leitoras/escritoras!
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver sem véus!
"Conversar, para escrever bem
Milton Saldanha
Da expressão oral, para a escrita, foi apenas uma passagem natural. Jamais fiz um curso de texto, nem precisava. Intuitivamente, desde a infância, já conhecia o conceito de “lide”, como é chamada nos jornais a forma de se começar a contar uma história: resume-se a informação de forma criativa para seduzir o leitor, no primeiro parágrafo, e depois o resto é explicar isso, entrando nos detalhes. Sem jamais ter estudado texto, em todos os jornais onde trabalhei fui sempre instrutor de focas, como são chamados os jornalistas iniciantes.
Como aconteceu isso? Simples: minha família almoçava e jantava reunida, conversando muito. Meu pai gostava de ler e de viajar na imaginação. Levava isso para nossa mesa, sempre farta e saborosa. Pai, mãe e quatro irmãos partilhavam todos os dias de intenso diálogo, não raro com discordâncias e polêmicas.
Essa foi minha escola de texto. Também do Rubem Mauro, meu irmão, que se tornou escritor premiado com o Jabuti numa época em que o certame não era tão amplo e vulgarizado. Foi o autor do melhor romance de 1986, com “A idade da paixão”, um retrato do Brasil sob a visão de um jovem, antes de 1964. Minhas duas irmãs, Sonia e Vera, também escrevem num padrão acima da média. Vera tem até um bonito livro de poesias.
Hoje, quando vejo multidões de jovens de cabeça baixa, mergulhados no celular, sem conhecer a riqueza de uma boa conversa e o quanto ela contribui para o desenvolvimento dos neurônios, fico supondo que nunca saberão escrever. Uma prova: a superficialidade, em alguns casos desconcertante, das idéias (mal) expostas nas redes sociais.
Uma amiga, professora de Português, me contou da dificuldade de muitos em interpretar textos de... histórias em quadrinhos. Não acreditei, mas ela insistiu que é verdade. Santo Cristo, história em quadrinhos tem diálogos ultra-resumidos em balãozinhos, o resto está contado no desenho. Mesmo assim eles são incapazes de uma interpretação básica.
Minha mais recente crônica, sobre a corrupção, entrou em redes sociais. Apareceu um cara comentando com uma interpretação tipo “Samba do crioulo doido”, me atribuindo a defesa daquilo que eu combatia. Nesses casos só resta ter paciência de santo franciscano, não há o que fazer. Com tal nível de ignorância é impossível dialogar, porque eles te colocam no centro de um verdadeiro manicômio. Tudo fica sem pé nem cabeça. Justamente por isso fugi de tais debates em redes sociais nas últimas eleições. O que poderia ser um exercício democrático para o exame inteligente de idéias se transforma num campo de batalha histérico e de baixíssimo nível. Só louco entra nessa.
Meu pai, Pedro, era oficial do Exército Brasileiro. Sem jamais ter saído do Brasil, falava inglês fluentemente. Escrevia ensaios. Minha mãe, Neusa, lia intensamente. Logo, nossa casa era repleta de livros, jornais e revistas. Quando entro na casa de alguém a primeira coisa que observo é a existência de livros. Isso me dá o perfil da família. Pior é quando todos comem com os pratos na mão, na frente da TV. Pais e filhos parecem surdos e mudos. O que esperar daquelas crianças?
Uma das cenas mais lindas da minha infância foi em São Borja (RS). Era noite, faltou luz. Meu pai reuniu a família em torno da mesa, acendeu uma vela no centro, e nos contou a origem científica do mundo.
Quando Rubem entrou no ginásio, na mesma São Borja, ganhou de presente o “Thesouro da Juventude”, uma coleção maravilhosa, que despertou em nossos corações o desejo de conhecer o mundo. Passei toda a infância e adolescência mergulhando naquelas páginas. Anos depois, rodando pela Europa, elas me voltavam a todo momento, principalmente nas ruínas arqueológicas de Roma e Pompéia.
Lembro-me dessas coisas lamentando pela má sorte de tantos jovens de hoje. Eles não aprendem a ouvir nem a falar. O celular comprime o raciocínio, enquanto o livro expande. Sem saber pensar, será impossível saber escrever. Não espanta que 500 mil redações nos vestibulares tenham tirado zero. Para muitos isso não tem a menor importância, passa batido. Eu acho alarmante."