Caros confrades passageiros.
Mais uma vez tenho a grata satisfação de divulgar um artigo da lavra do meu amigo, o sapiente, experto jornalista, escritor e tanguista, Milton Saldanha.
Caloroso abraço. Saudações preservadas.
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver, sem véus, sem ranços, com muita imaginação, autenticidade e gozo.
''Promiscuidade com fontes não é jornalismo
Milton Saldanha, jornalista
Cultivar
e preservar fontes foi sempre uma questão muito delicada no exercício
do jornalismo. Com o tempo, isso tende a virar promiscuidade, sem o
distanciamento crítico que preserve a independência do jornalista. É
mais comum do que se pensa.
Lula,
por exemplo, nos tempos do sindicalismo, gostava de separar jornalistas
“confiáveis” dos não confiáveis. Os confiáveis eram aqueles que não
faziam perguntas incômodas. Cheguei a ver, numa saída de audiência de
dissídio coletivo, que eu cobria pelo Estadão, ele puxar colega pelo
braço, para um canto, para falar algo que sonegava aos demais.
Na
indústria automobilística, que cobri por cerca de dez anos, para o
Estadão e revista Motor 3, lembro-me da dificuldade de lidar com
críticas aos produtos e ao mesmo tempo preservar fontes, sem as quais
nosso trabalho ficava muito difícil. A retaliação era o executivo passar
ao jornal concorrente alguma informação exclusiva, o que nos deixava
mal na fita com nossas chefias, que nos cobravam explicações sobre o
furo levado.
Quando
fui trabalhar do outro lado do balcão, na assessoria de imprensa da
Ford, sabia separar, pela experiência, a obrigação de informar do
jornalista do nosso relacionamento pessoal, sempre muito cordial.
Entendia que a crítica faz parte da obrigação do repórter, porque seu
compromisso final e principal não era com a fábrica e sim com os
consumidores, ou seja, o público. À fábrica cabia explicar-se da melhor
maneira possível, e para isso eu buscava internamente os engenheiros,
como fontes. Mas tentar calar a imprensa, jamais, seria um erro grave.
Quando
lançamos a primeira edição da revista Motor3 – José Luiz Viera, Paulo
Facin e eu – em julho de 1980, na mesma edição que ostentava duas
páginas de anúncio do Alfa Romeu, havia uma matéria de avaliação do
carro, mostrando algumas das suas qualidades, mas desancando o pau nos
seus defeitos, que predominavam. Na hora de avaliar o carro e escrever
nenhum de nós foi consultar o departamento comercial sobre o teor que
deveria ter a matéria. Apenas cumprimos nosso dever com isenção e com a
honestidade que devíamos ao leitor. Isso, no nosso entendimento, é
jornalismo. Mas apesar do episódio, a Fiat, que comercializava o modelo,
jamais cortou seus anúncios da revista. Ou seja, a fábrica também se
comportou com a ética que tem que prevalecer em qualquer circunstân
cia.
No
mundo político não pode ser diferente. O jornalista, como pessoa física
e cidadão, pode ter a preferência que bem entender, seguindo sua
consciência. Mas não cobertura dos fatos, investido na função de
informar, não pode levar isso junto. Sua obrigação é buscar a isenção e
distanciamento crítico da fonte, inclusive para questioná-la.
Estou
falando de noticia, com autoria que pode ou não ser identificada. No
artigo é diferente, aí se trata de um espaço de opinião, onde se assume
um lado, com a responsabilidade de expor-se como autor. O leitor precisa
entender essa diferença.
Mas
o que muitas vezes ocorre é a notícia com enfoque claramente parcial,
vestindo a máscara da imparcialidade. Essa é a pior de todas, porque
retira do leitor a indução a fazer sua própria avaliação crítica,
pesando todos os lados de uma questão.
Alguns
jornais mascaram isso com o chamado “outro lado”, uma resposta que já
colocou o criticado na posição defensiva, e portanto em desvantagem.
Inclusive ocupando um espaço inferior no contexto geral da matéria. Esse
é um debate que o jornalismo precisa fazer.
Quando
comecei na profissão, em 1963, num semanário declaradamente de
esquerda, a gente não fingia ser isento. Essa palavra nem existia no
nosso vocabulário. Tínhamos, declaradamente, um lado. Mas a imprensa de
direita não agia assim. Fingia-se de imparcial, publicando canalhices,
principalmente matérias vendidas.
Samuel
Wainer contou, no livro das suas memórias, o “Minha razão de viver”,
que Adhemar de Barros, então governador paulista, pagou a Assis
Chateaubrian por uma entrevista em O Cruzeiro, nos anos 1950, feita por
ele, Samuel, durante um vôo na ponte aérea. Depois de receber a grana,
Chatô chamou o repórter e disse que ele merecia receber uma comissão.
Com ela, só a comissão, Samuel comprou uma cobertura na Vieira Souto, o
metro quadrado mais caro do Brasil.
E depois tem gente que acha que a corrupção começou ontem.
Vale a pena lembrar que Adhemar foi o criador do mais cretino dos slogans, o rouba mas faz, copiado depois por Paulo Maluf.
O
jornalista tem amplo direito ao sigilo da fonte. A lei assegura isso.
Contudo, uma vez flagrado em criminoso conluio com a fonte, não pode
reclamar das consequências. Porque nesse caso não está praticando
jornalismo. O nome é outro, e fica por conta de cada leitor a escolha.
Milton Saldanha
Jornal Dance, editor
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