Caros confrades/passageiros sem véus e com véus!
Sempre faço questão de divulgar as imperdível crônicas da lavra do meu estimado amigo, o sapiente e tarimbado jornalista e escritor Milton Saldanha.
Desta vez ele nos revelou uma reportagem de cunho sensacionalista, publicada na saudosa revista "O Cruzeiro"(1928-1975), que deixou marcas indeléveis na imprensa brasileira e uma legião de leitores, que semanalmente a liam e comentavam suas reportagens com seus entes queridos e amigos.
Infelizmente, nos meios de comunicações também teve, têm e terá jornalistas sacripantas, que com o escopo de aumentar a tiragem dos jornais ou revistas, bem como serem mais conhecidos, são capazes de utilizar qualquer artifício fraudulento, ou então criar uma história fantasiosa para ficarem m foco.
Felizmente também existiram, existem e existirão jornalistas, como o meu estimado amigo, um formador de opinião, que jamais fica em cima do muro, além de ter o compromisso de bem informar seus leitores.
A alguns anos atrás senti na pele como é pernicioso se deparar com jornalistas sacripantas, porque tive o dissabor e participar de um blog, cujo autor teve a audácia de criar fictícios leitores, com o intuito de dar a impressão que o blog era prestigiado e com "milhares" de acessos.
Quando o desmascarei, utilizou um dos seus leitores fictícios para me ameaçar de morte. É evidente que registrei Boletim de Ocorrência e o "cara de pau" teve que comparecer num Distrito Policial para esclarecimentos. Depois que foi desmascarado colocou o rabo entre as pernas e saiu de cena, juntamente com seus leitores fictícios.
Bem, já passou da hora de sair de cena, porque agora tenho a grata satisfação chamar meu querido amigo Milton Saldanha!
A maior mentira da imprensa brasileira
Milton Saldanha
A revista “O Cruzeiro” de 17 de maio de 1952 foi para as ruas com seus 400 mil exemplares exibindo na capa a então jovem e bonita rainha Elizabeth II. Estava montada a cavalo, envergando a túnica vermelha da guarda real britânica, com medalhas ao peito. Sem dúvida, uma capa linda, que ajudava a explicar o grande fascínio que a revista exercia sobre leitores de todo o Brasil. Era uma publicação de grande prestígio, e sua tiragem, para a época, proporcionalmente maior do que a de qualquer revista semanal atual.
Mas o grande assunto daquela edição não era a realeza britânica. Era um encarte de oito páginas, produzido na correria quando a edição já estava impressa, que anunciava: Extra – Disco Voador na Barra da Tijuca. Assinavam a reportagem, que “O Cruzeiro” festejava como furo mundial, o repórter João Martins e o fotógrafo Ed. Keffel.
Maior fraude de um órgão de imprensa brasileiro em todos os tempos, e entre os mais fantasiosos na imprensa mundial, vale a pena conhecer o episódio. Ele ilustra a forma de se fazer jornalismo naqueles tempos, em que a ética nada importava. O que valia mesmo eram o furo e o sensacionalismo.
Mais saboroso do que eu contando a história, será ler na íntegra a própria reportagem dos dois pilantras, com longo nariz de cera e erros gramaticais, que transcrevo a seguir:
“Eram quatro horas da tarde, do dia 7 de maio, quarta-feira. Tínhamos ido, depois do meio-dia, ao local denominado Ilha dos Amores, na Barra da Tijuca. A nossa intenção era das mais prosaicas. Pretendíamos fazer acerca dos pares amorosos que, nos dias de semana, procuram aquelas paragens para um refúgio para os seus arrulhos. Seria um trabalho interessante, pitoresco, humano, vagamente poético. E lá fomos nós para, como dizemos, “estudar o ambiente”. Procuramos passar como dois turistas despreocupados, a fim de não assustar a nossa “caça”. O tempo, nos dias anteriores, tinha sido frio e chuvoso. Mas aquele dia amanhecera lindo, cheio de sol.
Chegamos mais ou menos à uma hora da tarde. Atravessamos a pequena laguna no barquinho “Piaba” e nos dirigimos para o “Bar do Compadre”, a fim de comermos alguma coisa. A sorte não parecia estar nos protegendo. Quase ninguém aparecia. Puxamos conversa com o dono do bar, Antônio Teixeira, arrancando-lhe muitas informações que nos poderiam ser úteis, embora ele não desconfiasse do que desejávamos realizar. Por sobre as nossas cabeças, ouvíamos, mais ou menos de cinco em cinco minutos, o ronco de um motor, pois por ali passam todos os aviões da linha Rio-São Paulo e aeroportos do Sul.
Enquanto saboreávamos um prato de camarões, levantamo-nos diversas vezes para apreciar as acrobacias que uma esquadrilha da Força Aérea Brasileira estava fazendo nas imediações, por volta das duas horas. Se as coisas não melhorassem, estávamos praticamente com a viagem perdida. Como não tínhamos outro jeito, e mesmo porque uma das virtudes de um repórter deve ser a paciência, resolvemos ficar por ali, para ver o que acontecia.
E aconteceu o que nunca poderíamos imaginar. Entre quatro e quatro e meia, achavamo-nos sentados na areia, justamente no começo do canal anterior, quando, olhando por acaso para o mar, tivemos a atenção despertada por um objeto que se movia no ar, do lado do Sol.
Esse objeto, a distância, assemelhava-se com um avião, visto de frente: mas o extraordinário era que esse “avião”, que parecia voltado para nós, movia-se de lado, numa velocidade tremenda. Vinha diretamente do oceano para a terra, perpendicularmente à rota dos aviões comerciais. Falei para o meu companheiro:
- Olha, Keffel, que diabo é aquilo?
Qualquer outra pessoa não teria, provavelmente, dado importância ao fato. Mas nós somos dois repórteres, com a atenção sempre alerta por uma questão de treino profissional. O estranho objeto, ao atingir a linha de terra, pareceu diminuir de velocidade. A sua silhueta se apresentava mais clara, depois de passar diante do Sol. Keffel estava com a máquina, uma Rolleiflex, pendurada no pescoço. Movido por um impulso e uma ainda vaga suspeita, quase gritei:
- Bata, Keffel!
Ele bateu a primeira chapa. Depois me confessou que só tinha feito isso por brincadeira. Mas o “avião” se aproximava numa curva longa. Não havia mais dúvidas. Aquilo era diferente de tudo o que havíamos visto em matéria de aeronaves. Com grande presença de espírito, Keffel pôs rapidamente a velocidade do obturador em 1-500 (cinco centésimos do segundo) e meteu mãos a obra. Enquanto isso, o disco (porque o que estávamos vendo era indubitavelmente um objeto em forma circular) continuava o semicírculo sobre as matas da Tijuca, até sobrevoar a Pedra da Gávea. Neste ponto, fez uma descaída até a linha do mar. Interessante que até então ele voara normalmente, absolutamente plano, mas nessa descaída balançou-se à semelhança de uma folha que se desprende de uma árvore, ou como o que acontece as vezes com alguns aviões numa tomada de campo. Repentinamente, porém, ao chegar sobre o mar, lançou-se de novo para a frente, numa arrancada alucinante, não em posição horizontal, mas inclinado num ângulo de uns 45 graus sobre sobre o seu próprio eixo, como um aeroplano deitado sobre uma das suas asas. E desapareceu como uma flecha, ou melhor, como uma bala, em direção ao oceano. Desapareceu além das ilhas Tijucas, que encobriram a nossa linha de visão, para o horizonte. Voltou, portanto, para o mesmo rumo do qual tinha vindo.
Tudo isso durou no máximo um minuto. Durante todo o tempo, não ouvimos o mais leve som. Aquilo parecia voar em absoluto silêncio, ou produzindo um som de freqüência superior à capacidade auditiva do homem. Não deixava o menor rastro de vapor ou de chamas. Não era luminoso. Tinha uma cor cinzento-azulado, que o faria confundir-se com o céu sem nuvens. A altura em que voava, assim como o seu tamanho real, são difíceis de determinar, por falta de base para comparações. Parecia, notem bem, parecia estar a mais de mil metros sobre o solo e ser de um tamanho duas vezes maior do que um avião DC-3. Mas, honestamente, não podemos afirmar esses dois detalhes.
O que podemos afirmar é que vimos o tal objeto, nas condições descritas. Enquanto eu o acompanhava com a vista (e estava de óculos esverdeados), procurando fixar na memória tudo aquilo que estava acontecendo, o meu colega Keffel fez trabalhar por mais quatro vezes o disparador da “Rolleiflex”. Não houve tempo para mais, nem isso seria possível, porque quando o disco apareceu , só restavam cinco chapas na máquina. O resto do filme já sido usado. Nele estão, sucessivamente, as fotografias de dois elementos do hotel em que meu companheiro reside, e uma paisagem, batidas na véspera, um aspecto de um nosso companheiro, tirada na redação, na manhã do dia em que vimos o disco, depois um casal de namorados obtida quando chegamos à Ilha dos Amores, e finalmente a foto do dono do restaurante e a nossa própria, comendo os camarões, batida por ele. Estas duas últimas foram batidas uma hora ou pouco mais antes do aparecimento do estranho aparelho.
Depois que o “disco” sumiu de nossas vistas, ficamos por alguns momentos sem ação. Perguntei a Keffel:
- Você viu o mesmo que eu vi?
E ante a afirmativa:
- E bateu as fotografias?
Keffel chegou a ficar gago para responder que sim. Tiramos o filme da máquina com o cuidado de quem está manejando uma bomba atômica, pusemos outro e ficamos na esperança de que o “bicho” tornasse a aparecer. Não apareceu, pelo menos para nós. E agora, que fazer? Saímos procurando alguma outra testemunha do fato. Atrás de uma pequena duna, encontramos um pescador consertando uma rede, chamado Claudionor (ou Nonô). Não reparara em nada. Estava de cabeça baixa, absorvido por seu trabalho. Fomos até o bar. O “seu”Antônio, que se achava atrás do balcão, também não reparara no estranho avião. Como nos explicou, já está acostumado com tantos que passam por ali, e além disso se encontrava dentro de casa. Dois casais que almoçavam sob o alpendre, não eram nem tinham vontade alguma de ser testemunhas.
Voltamos o mais rápido possível para a redação. Pelo primeiro telefone que encontramos no restaurante do Juá, telefonamos para o nosso diretor, dando conta do sucedido e pedindo-lhe que não deixasse o encarregado do laboratório ir-se embora (pois já eram mais de cinco horas. Dirigi como um louco o meu automóvel através da cidade. Na redação, entregamos imediatamente o filme, que logo começou a ser revelado. E então, nós dois, que tínhamos mantido a mais completa calma durante a aparição do fantástico aparelho, vivemos alguns minutos de emoção. Que estaria nos negativos? Teríamos sido vítimas de uma alucinação? Teríamos confundido um avião, uma nuvem, um aerólito, um balão, com um disco voador? A frieza das imagens captadas pela lente fotográfica desfaria todas as possíveis dúvidas. Foram momentos de expectativa e de angústia. Em nossa companhia também sofriam os nossos companheiros e os nossos chefes. Os diretores Leão Gondim de Oliveira e Accioly Neto, José Amádio, Milton D`Avila, Ari Vasconcelos, a turma do laboratório, todos compartilhavam da nossa ansiedade. E quando por fim o filme foi tirado do fixador, e lá na película surgiram as imagens do disco, o entusiasmo foi geral. A imediata ampliação dos negativos veio confirmar nosso relato, sem possibilidade de dúvidas.
Coube a nós a grande oportunidade de testemunhar e fotografar essa coisa misteriosa que vem aparecendo nos mais diversos pontos da terra e que tem sido objeto de tantas suposições e controvérsias. Soubemos aproveitá-la, no máximo de possibilidades. E estão aí, para o exame dos nossos leitores, os diversos aspectos do disco voador que sobrevoou a Barra da Tijuca, naquela tarde de sol. Este é um furo jornalístico de caráter mundial, que decerto terá uma tremenda repercussão. Nunca dantes um disco voador foi fotografado nessas condições , com tantos detalhes, quanto à sua forma. Que será esse misterioso viajante do espaço? Uma arma secreta, de alguma das grandes potências? Uma aparelho proveniente de outro planeta? Não o sabemos. Apenas podemos afirmar que ele existe. Será um benefício ou uma ameaça para a espécie humana? Muitas interrogações poderão ser formuladas, mas todas elas esbarram com uma espessa cortina de mistério.
Muitos discos já foram avistados, em diferentes países e em ocasiões diversas. Variam as suas formas aparentes, mas o mistério permanece. O mistério que, mais cedo ou mais tarde, teremos de desvendar”.
A monumental cascata, como os jornalistas chamam os textos irreais, inventados na redação, com fotos que ocupavam páginas inteiras do encarte extra de O Cruzeiro, foi totalmente desmascarada. Qualquer análise técnica das fotos, cotejando proporções do disco com a paisagem, entre outros dados, consegue comprovar a fraude.
Na verdade, eles fizeram o disco, de madeira compensada (para ficar leve e flutuar no ar). O repórter subiu numa colina e lançou, enquanto o fotógrafo fazia seu trabalho. A Barra da Tijuca naqueles anos era uma região praticamente deserta, ficava fácil montar a farsa.
Na edição seguinte O Cruzeiro repercutiu o caso ouvindo oficiais da Força Aérea. Fez todo mundo de bobo. A revista vendeu como nunca nas bancas. A grande dúvida que ficou é se a direção de O Cruzeiro sabia de tudo ou se também foi vítima dessa forma criminosa de se fazer “jornalismo”.