Sob a égide de Terpsícore
Caros confrades/passageiros sem véus e com véus!
Com muito gozo tenho a grata satisfação de publicar, na minha página do
facebook, mais uma crônica da lavra do meu estimado amigo, o tarimbado
jornalista e escritor Milton Saldanha!
Por um lapso, deste reles caquético Professor Tierneyano, não disse
anteriormente que meu querido amigo é um dos pupilos de Terpsícore,
porque é um renomado tanguista, que também é o Editor Chefe de um
periódico mensal dedicado aos aficionados no tango:
Com vocês Milton Saldanha!
"Graciela González e o resgate da essência no tango
Milton Saldanha
Estudo tango há 14 anos. Se for contar os mestres com quem já tive
aulas dará uma lista longa. Além dos brasileiros de grande qualidade,
que merecem todo o respeito, passei também por ícones de Buenos Aires,
cidade que amo e que visito várias vezes a cada ano. Recentemente, fui
ao Rio para o imperdível seminário de Sebastián Achaval e Roxana Suarez.
Não conto isso por exibicionismo medíocre, seria uma idiotice
que trabalharia mais contra do que a meu favor. Conto apenas para que
entendam que hoje disponho de um ferramental comparativo muito grande
quando o assunto é aula de tango. Não será, portanto, qualquer professor
que conquistará minha admiração. Além disso, a experiência me permite
constatar que em dança não existe a verdade, muito menos o dono da
verdade. Perco a conta das orientações e observações de professores que
vão em sentido oposto ao que falam alguns dos seus colegas. Logo,
compete a cada aluno fazer sua própria triagem do que acha mais lógico e
confortável, e seja também mais adequado ao seu corpo e possibilidades
na dança. O que um professor fala não é lei. É apenas sugestão. Quem
adotar dogmas sem ter conhecido a diversidade de opiniões corre grande
risco de engessar sua dança em poucas possibilidades.
Os grandes
tangueiros de Buenos Aires nunca tiveram um mestre só. Eles se formaram
indo beber na fonte do que melhor oferecia cada professor famoso. Um era
o melhor para ensinar giros, outro adornos, alguém mais caminhadas, e
assim por diante. Não existe o mestre universal, que sabe tudo e arrasa
em tudo. Cada dançarino tem um ponto forte, como acontece com atletas de
qualquer modalidade de esporte.
Neste abril, pela segunda vez,
fui aluno da argentina Graciela González, “La Leona”, em seminário
promovido por Margareth Kardosh. Foi um reencontro com aquilo que
considero o ponto forte desta mestra: a retomada da essência do tango,
ao piso, com a valorização do abraço e da noção espacial em relação à
parceira/parceiro, como também ao entorno no salão.
É o meu modo
de ver. Outros colegas, claro, devem ter seus próprios ângulos de visão,
e isso será sempre interessante, enriquecendo todo o espectro que
envolve o baile.
Do ponto de vista técnico não concordei com tudo
que ouvi de Graciela, mesmo respeitando, ao cotejar com orientações de
outros mestres. Toda técnica em dança está sujeita à polêmica. Será
suprema arrogância algum professor, mesmo grande estrela, afirmar que é
assim e assado, e ponto final. Os corpos são diferentes, logo nem tudo
se adapta a todos.
Mas, do ponto de vista masculino, já que
compete ao homem ser o condutor e senhor das decisões na dança a dois,
me agrada muito quando Graciela salienta aspectos que são incômodos,
enfadonhos e até irritantes à dama. Isso é de extrema relevância,
principalmente para conter o ímpeto de exibicionistas que adotam a
mulher como mera muleta, e não como uma parceira com quem tem que
dividir tudo em 50%, como ela disse. O que isso tem de importante não é
pouco: muda a dança completamente. O homem precisa ser mais cuidadoso e
generoso, além de aprender a esperar que a dama conclua completamente
seu movimento.
O exercício de dançar com homens, durante três
horas, nada tem de agradável. A começar pela natural rejeição ao abraço
prolongado e intimista. Tivemos que fazê-lo, não sem sacrifício, para
ser franco. Mas isso me permitiu ver com olhos críticos, na prática,
alguns dos meus colegas. Poucos sabem esperar. Não sabendo dançar como
dama, a gente fica reduzido ao iniciante mais básico. Aí aparecem os
defeitos de condução. Predomina o açodamento, a correria, a falta de
respiração. O que explica o baile aloprado que de vez em quando se vê,
como se fosse uma maratona em que todo mundo parece querer chegar
primeiro, não sei onde, porque a pista não tem linha de chegada.
Claro que também tenho meus defeitos, mas se enxergasse não os teria.
Por isso sempre sou grato quando uma dama qualificada, que realmente
dance bem e conheça tango, me faz alguma observação útil, para correção.
Guardei para sempre as palavras da maravilhosa Johana Copes, quando
dançava com ela em aula, no salão Dandi, em Buenos Aires: “Calma,
Milton, sem pressa, respira!”. Palavras simples, mas efetivas, que
mudaram para sempre meu tango.
Esse é o papel dos professores.
Mas eles precisam também se impor pelo exemplo. Quando um professor faz
no baile tudo aquilo que não recomenda aos seus alunos, como
desrespeitar o espaço dos outros, ou dançar recuando no sentido oposto à
ronda, para não falar dos voleios perigosos, com pernas altas, cai tudo
por terra.
Graciela González mostra sua coerência até quando se
apresenta. Sua dança é limpa, de aparente simplicidade, sem o menor
exagero para impressionar, e não será por falta de conhecimento e
prática. Uma dança típica de quem sabe que não precisa mais provar nada a
ninguém."
Caloroso abraço! Saudações terpsicoreianas!
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver sem véus e sem ranços!
Gostei muito de ler o texto.
ResponderExcluirUm abraço a ambos
Caro Amigo Pedro Coimbra!
ResponderExcluirFolgo em saber que gostou!
Caloroso abraço! Saudações jornalísticas!
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver sem véus e sem ranços!