Caros confrades passageiros.
Mais uma vez - com muito empenho - divulgo uma crônica da lavra do meu querido amigo, o jornalista, escritor e tanguista, Milton Saldanha, que com sua sapiência e tarimba, desvela - sem titubear - a decepção daqueles que acreditavam que tudo seria diferente com a esquerda no Poder...
Caloroso abraço. Saudações desmascaradas.
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver, sem véus, sem ranços, com muita imaginação, autenticidade e gozo.
"Orfãos do lulismo
Milton Saldanha, jornalista
Conheci Lula quando ele iniciava no sindicalismo do ABC, como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, em 1975. Eu chefiava a redação da Sucursal do ABC do Estadão, Jornal da Tarde e Agência Estado, com uma equipe de meia dúzia de repórteres. Logo as atitudes do “rapaz”, como a ele se referiam alguns altos executivos das montadoras de veículos, porque ninguém tinha decorado o nome, começaram a chamar atenção. Lembro-me, por exemplo, quando André Beer, então diretor de vendas da General Motors, no intervalo de uma entrevista sobre mercado, tomando cafezinho, comentou: “Esse rapaz está dando trabalho e começando a nos preocupar”.
Sem
perceber, ele ligava minhas antenas: no dia seguinte, escalei uma
repórter competente para acompanhar diariamente o setor sindical,
principalmente os movimentos metalúrgicos. Numa equipe pequena, onde
todos faziam de tudo, inclusive eu, dobrando função como repórter, era o
único setor que entendi merecer um setorista em tempo integral. Muito
em breve, era óbvio, o tal rapaz seria notícia. E fiquei curioso para
conhecê-lo.
A setorista não era exclusiva, todos entravam na cobertura sindical, principalmente nas greves.
Fiz
isso por minha conta, não queria ser surpreendido, e sem nada discutir
com a matriz, a qual me reportava. O irônico é que o Estadão era um
jornal completamente refratário à cobertura sindical. Nossas matérias
sobre o setor viravam notinhas de pé página, e muitas delas nem isso,
eram simplesmente excluídas. Mas a Agência Estado distribuía,
resumidas, para mais de uma centena de jornais de todo o Brasil. O
Jornal da Tarde, mesmo sendo do mesmo grupo, era mais aberto, com melhor
aproveitamento das matérias.
Quando,
de repente, em 1978, eclodiu a célebre greve da Scania, estopim da
greve geral que se alastrou nos dias seguintes por todo o setor
metalúrgico do ABC, ficou claro o acerto do meu critério: a Sucursal já tinha ótimas e confiáveis fontes nos sindicatos. E fontes, no jornalismo, são a chave mestra para tudo.
A
grande greve obrigou o Estadão a rever sua política editorial para o
sindicalismo. O assunto era manchete em todos os jornais, inclusive no
próprio Estadão, e a cobertura ocupava várias páginas, além de
editoriais nas seções de opinião. A repercussão era também
internacional. A própria sucursal, a pedido da matriz, serviu de redação
para um correspondente da revista Time, dos Estados Unidos, que contava
com nossa ajuda.
Na
sucursal, além da vasta cobertura diária, com toda a equipe envolvida
24 horas por dia, mais três repórteres de reforço que pedi a São Paulo,
eu fazia um informe diário, exclusivamente interno para o jornal, onde
apontava os rumos e tendências dos acontecimentos.
Com
a greve, do dia para a noite o nome de Lula pulou do restrito ambiente
sindical local para o cenário nacional, com repercussões internacionais.
É importante observar que havia ditadura e as greves estavam proibidas.
O movimento, portanto, era um desafio ao regime. E não havia como
reprimir: eles entravam normalmente nas fábricas, mas não ligavam as
máquinas. A tática foi genial e surpreendeu a todos, principalmente aos
patrões e ao governo.
Deslumbrado
pela fama, Lula se tornou insuportável. Denotava traços de arrogância
que não tinha antes da greve, quando nos dava entrevistas com a
simplicidade dos mortais, inclusive em botequins, sorvendo uma
pinguinha. Creio que começou a brotar ali seu projeto pessoal, mas isso é
mera hipótese.
Nas
grandes assembléias dos metalúrgicos, no Estádio de Vila Euclides, Lula
era um líder de massas impressionante. Dominava a multidão e tinha a
rara capacidade de emocionar, fazer rir, chorar, tudo, e quando queria.
Seus fluentes discursos exalavam sinceridade, tinham timming perfeito e não cansavam.
Participando
de um programa de entrevistas, na TV Cultura, deu um show que
impressionou até os Mesquitas, da conservadora família dona do Estadão.
No dia seguinte mandaram entrevistar Lula, com amplo espaço. Mas a
tarefa foi confiada a um jornalista da matriz, conhecido como patronal,
da confiança da direção do jornal.
Hoje,
o ex-líder metalúrgico parece uma caricatura de si próprio. Na tribuna,
não é nem sombra do que foi naqueles anos. Além da idade, que pesa,
afinal ele era 40 anos mais novo, tem a perda da voz e agora entram os
fatores do desgaste político e das suspeitas.
Com
uma vaidade que não fica nada a dever a do príncipe FHC, Lula mostrou
completo desconhecimento da História numa fase em que resolveu se
comparar a Getúlio Vargas. Só faltou o modesto rapaz achar que tinha
também algo em comum com Deus.
Para
enquadrá-lo, não precisam nem investigações. Basta a contabilidade
oficial do Instituto Lula: US$ 200 mil por palestra, pagas por
empreiteiras corruptas, é um escândalo que dispensa comentários.
Perguntem, como comparativo, se algum professor universitário da área
científica, altamente qualificado, ganha isso por ano.
É
expressivo o número de intelectuais e artistas decepcionados, que
romperam o apoio. Isso não pode ser confundido com virada ideológica.
Não foram eles que mudaram e sim Lula, com suas inaceitáveis alianças,
em nome do engodo da governabilidade. Depois, por exemplo, que foi em
companhia de Haddad beijar a mão de Paulo Maluf, na própria mansão do
corrupto mor da República, não há estômago que agüente.
“Ah,
mas a política é assim mesmo”, dizem os pragmáticos de sempre. Mentira,
não é. Se existir compromisso real com o povo e não mistificação
oportunista, não será assim. Caso contrário a conciliação entre eles
será eterna, em contraste com o discurso eleitoral. Quem se junta a
bandidos, bandido é.
Voltando
ao passado de Lula: o Brasil, sob a ditadura do general Ernesto Geisel,
há muitos anos não via um líder com tal performance.
Só
comparável a Leonel Brizola, que eu vi e ouvi muitas vezes
discursando. Mas Lula era mais fluente e sabia administrar melhor o
tempo, tinha percepção da hora de parar. Brizola sempre se alongava.
Não surpreende que Lula tenha chegado onde chegou.
Votei
nele e fui às ruas, como militante, nas duas eleições em que venceu
para presidente. Ainda que sempre desconfiando que surfava num projeto
pessoal e não ideológico, por sua falta de cultura e tradição na luta.
Até sua primeira greve, tinha ignorado a existência da ditadura,
instalada 14 anos antes. Atravessou aquele período nos bailinhos e
tentando conquistar mulheres. A idéia de resistência política sequer
passava por sua cabeça. Nunca foi amigo dos livros. Nunca foi de
esquerda. Repetia chavões que ouviu de alguém, para simular cultura,
como aquela cansativa afirmação de que a CLT era cópia da Carta del
Lavoro, do Mussolini. Mas nem isso aprofundava, tudo nele era raso.
As
demais opções eleitorais eram desoladoras. Bem ou mal, existia ali, no
PT ainda com a imagem do partido que poderia arrumar a casa, alguma
esperança. O governo FHC vinha embalado em vasta corrupção, que hoje
todos esquecem, e o PT se apresentava como a melhor alternativa, que
faria as mudanças.
Depois,
com o tempo, descobri que o verdadeiro mentor do sindicalismo no ABC
tinha sido Paulo Vidal, ligado ao Partidão, com quem Lula aprendeu. Mas
nunca prestou tributo ao mestre. Não é do estilo dele admitir que
aprendeu algo com alguém.
Lula
ascendeu na política construindo o próprio mito e tendo por base um
forte corporativismo de classe e não uma ideologia de esquerda. No
começo, repudiava a política formal, dos partidos, e esnobava os
estudantes e intelectuais que buscavam aproximação.
Os
metalúrgicos formavam a elite obreira do país, com os melhores
salários, que souberam conquistar, e boas condições de trabalho. Os
bandejões das fábricas, por exemplo, sempre ofereceram refeições de boa
qualidade. Eles tinham também transporte coletivo confortável e pontual,
sem precisar enfrentar os congestionados pontos de ônibus, nem
caminhadas.
Os
demais trabalhadores, ganhando menos, tinham que levar suas próprias
marmitas e amargavam todos os dias no transporte para gado. Como ainda
acontece.
A visão obreira de Lula não contemplava este outro lado. Não ia além do bem organizado e forte corporativismo metalúrgico.
Não
será segredo para ninguém que algumas greves ocorreram em aliança
secreta com os patrões, quando isso era bom para as duas partes, para
pressionar o governo. Um bom exemplo foi quando as montadoras
enfrentaram o governo civil-militar contra o CIP – Conselho
Interministerial de Preços, que represava os reajustes dos preços dos
veículos. Empresas de ônibus usaram da mesma estratégia para reajustar
tarifas.
Tudo
perfeito, exceto pelo detalhe de que os demais segmentos da sociedade
pagavam a conta. Não só diretamente, mas também pelo efeito
inflacionário.
Nada
disso surpreende, principalmente agora, quando se sabe que
sindicalistas pelegos, da Força Sindical e CUT, levaram suborno para
acabar com greves, traindo os trabalhadores. Só falta apurar desde que
época isso ocorreu, e quem levou. Paulinho da Força já se sabe que sim, e
isso não surpreende, pela folha corrida deste senhor, membro da tropa
de choque de Cunha.
Vale
a pena também uma palavrinha sobre as grandes assembléias, das greves.
Elas nunca foram democráticas, porque não havia encaminhamento contra.
Só se falava a favor. Para fazer a greve e para decidir a hora de voltar
ao trabalho. Tudo era decidido, de fato, no sindicato. Como os
trabalhadores confiavam nas lideranças, seguiam suas diretrizes. As
assembléias tinham dois objetivos: promover a mobilização e cumprir
ritos legais.
Mas
o mito Lula não nasceu apenas disso. Teve enorme alavanca nos
movimentos populares da Igreja Católica, nas mãos do clero progressista.
Dom Claudio Hummes, então arcebispo e depois cardeal, deu expressivo
apoio aos metalúrgicos e participou de encontros secretos com Lula. Foi
também mediador em negociações com empresários. As comunidades de base
da Igreja foram um dos berços do PT. Lula teve também o importante apoio
do prefeito Tito Costa, de São Bernardo, na grande greve de 1979, que
culminou na intervenção policial no sindicato.
Preso
no Deops, tornou-se amigo fraterno do seu carcereiro, Romeu Tuma, que
dirigia o famoso centro de torturas da ditadura. Mas ninguém tocou nele,
ainda bem. O estranho foi a amizade. Típica da cartilha de Jarbas
Passarinho, o entusiasta da ditadura que declarou, ao assinar o Ato-5:
“Às favas com os escrúpulos”.
Tudo
começou a ruir quando Lula e seu grupo aceitaram a aliança com a
direita, inclusive corrupta, para conseguir vencer a primeira eleição. O
resto todo mundo já sabe.
Surgiu então algo novo: os órfãos do lulismo. Uma legião que agora se vê sem alternativas, porque também não aceita a direita.
O
mesmo fenômeno, mas talvez em menor escala, deve ocorrer no PSDB e
PMDB, agora também estraçalhados pelas denúncias da Lava Jato.
Com
certeza, um dos momentos mais difíceis no Brasil. Nada pode ser pior do
que a imprevisibilidade total, às vésperas da principal eleição. Sob um
governo de péssima credibilidade.
Por
outro lado, a crise pode ensejar o impedimento ou aposentadoria dos
caciques suspeitos e desgastados, abrindo espaço para novos postulantes.
Entre eles, claro, aventureiros e farsantes. Que repetirão as velhas
práticas, se mudarem apenas os nomes, sem reformar as viciadas
estruturas do Estado."
Lula foi uma desilusão.
ResponderExcluirSe é verdade que fez o Brasil passar por um período de crescimento brutal, e de atenuação das desigualdades económicas e sociais, as trapalhadas em que se viu envolvido deixaram essa obra em segundo plano.
Uma pena que tenha sido assim.
Aquele abraço
Irretocáveis reflexões.....Mas todos que estavam juntos e saboreavam as mordomias - agora querem se fazer de anjinhos.....A canalhice é geral....
ResponderExcluirCaro Amigo Pedro Coimbra.
ResponderExcluirInfelizmente esta é a dura realidade.
Caloroso abraço. Saudações desiludidas.
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver, sem véus, sem ranços, com muita imaginação, autenticidade e gozo.
Caro Amigo Todesca.
ResponderExcluirA desfaçatez foi generalizada.
Caloroso abraço. Saudações decepcionadas.
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver, sem véus, sem ranços, com muita imaginação, autenticidade e gozo.