sábado, 27 de maio de 2017

Nefastos anos de chumbo (1964-1985)



Caros confrades passageiros.
Caros amigos.
Aqueles que já eram viventes, o que faziam no ano inicial da nefasta dentadura, digo, ditadura (1964-1985)?
Em 1964 eu tinha 11 anos e cursava o último ano do extinto curso primário, em 1985 era escriturário e exercia as funções, atinentes do cargo, na Delegacia de Polícia de Guarujá.
Em 1964, o escritor, jornalista e tanguista, Milton Saldanha, então como 18 anos, exercia o ofício de jornalista num periódico da cidade de Porto Alegre-RS, em 1985 era um conceituado e tarimbado jornalista.
Apreciei sobremaneira a crônica do Milton Saldanha, que sofreu na pele os percalços das privações de direitos, que traz à baila o que de fato foi viver num regime de exceção, que a seguir transcrevo.
Fico estupefato quando ouço ou leio em periódicos e redes sociais pessoas desinformadas, que dizem que naquele inaceitável regime de exceção não tinha corrupção, o ensino público era de qualidade, a violência era diminuta [sic].
Max, traga meus sais centuplicados diluídos numa colher de chá de Fosfosol.
Caloroso abraço. Saudações memorialistas.
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver, sem véus, sem ranços, com muita imaginação, autenticidade e gozo.


"1964 foi único. Parem com essa bobagem de comparar
 
Milton Saldanha, jornalista
Seguidamente leio ou escuto comparativos que evocam 1964, e a ditadura que lá começou, com o período atual.
Gostaria de saber onde estavam e o que faziam, em 1964, as pessoas que fazem esse comparativo absurdo. Ah, não tinham nascido? Então não estudaram e não leram os livros sobre o assunto, cerca de mil, ou mais.
O comparativo me incomoda, como incomoda a todos que participaram, de alguma forma, da resistência contra a ditadura. Simplesmente porque não cabe nenhum comparativo entre os dois períodos.
Em 1964 tivemos deslocamento de tropas, com tanques e canhões, prontos para uma guerra real, de larga escala. Só isso já mostra a falta de senso de quem compara as épocas. O regime engavetou as leis, aboliu o habeas-corpus, deu poderes ilimitados à polícia política, que podia invadir repartições e residências sem mandado judicial. Montou um aparato repressivo com instrumentos de tortura. Nesses locais havia até aulas sobre o tema, com demonstrações usando presos. Tinha até cemitérios clandestinos. Além do presidente João Goulart, foram depostos todos os governadores, prefeitos e parlamentares que não interessavam ao novo regime. As listas de cassações pegaram também militares, das Forças Armadas e das polícias militares, idem policiais civis. Só nas Forças Ar madas foram cerca de dez mil militares atingidos. As punções mais brandas eram as aposentadorias impostas e precoces, para mantê-los longe da caserna e das armas. Centenas de legalistas, não esquerdistas, que apenas não aceitavam o desrespeito à Constituição, tiveram suas carreiras bruscamente interrompidas com essa violência. Isso sepultou seus sonhos e promoções que ainda teriam. Conheci oficiais que adoravam a carreira e tiveram que viver com essa frustração, indo fazer outras coisas que nada tinham a ver com sua vocação.
Daria para ficar aqui escrevendo durante horas para apontar o horror que foi a ditadura. Com censura à imprensa, ao teatro e cinema. Intervenção nas escolas, sindicatos, até em clubes sociais. O jornal onde eu começava no jornalismo, no dia do golpe, foi invadido por uma patrulha do Exército e fechado por um período. Eu tinha apenas 18 anos, era estudante, e tive que fugir e me esconder. Como fizeram outros amigos e companheiros de luta política. Em 1970, fui preso no DOI-Codi de São Paulo, onde vi a ditadura no seu estado mais puro, sem o menor traço de respeito aos direitos humanos. Quando aconteceu o Ato-5 e começou a luta armada, em 1968, tudo piorou 100%. O medo era geral e na proporção do crescimento da truculência da polícia. Vivia-se enorme tensão, em tempo integral. Só não passavam por isso o s ricos e os alienados de sempre, principalmente de uma parte grande da classe média, coniventes com a barbárie do governo.
Caros, daria para contar muito mais. Mas creio que este resumo seja suficiente para mostrar a insanidade, ou ampla desinformação, de quem insiste em comparar o quadro atual com a ditadura.
Que hoje está muito ruim, nem se discute. Mas a ditadura foi anos luz muito pior. Insistir no comparativo ofende à memória dos que tombaram, ou sofreram de qualquer outra forma, na luta pela democracia.
Milton Saldanha
Jornal Dance, editor"

2 comentários:

  1. não dá para comparar prof. João Paulo,
    passámos por tudo isso também até à revolução sem guerra que deu origem a outras na Europa e talvez noutros países fora do continente

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  2. Cara Angela.
    Sempre aprecio quando tomo ciência que embarcastes no Expresso do Oriente e, mais ainda, quando deixas comentário no livro de bordo.
    Infelizmente, o que vigora na sociedade mercantilista e excludente - que vivemos -é o TER em detrimento do SER.
    Caloroso abraço. Saudações desalentadas.
    Até breve...
    João Paulo de Oliveira
    Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver, sem véus, sem ranços, com muita imaginação, autenticidade e gozo.

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